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domingo, 1 de abril de 2012

O EMBRIÃO GAÚCHA DAS MILÍCIAS


A LEI ÀS AVESSAS. Ao supostamente se inspirar em métodos de milicianos do Rio de Janeiro, um grupo de soldados da Brigada Militar de Alvorada, na Região Metropolitana, foi preso por suspeita de cometer assassinatos, tortura e extorsão. HUMBERTO TREZZI, ZERO HORA 01/04/2012

O flagelo das milícias está em gestação no Rio Grande do Sul. Um embrião desses grupos paramilitares, integrado por policiais suspeitos de tortura, extorsão e execuções, se formou em Alvorada. E quem assegura isso não são inimigos desses milicianos, mas outros policiais. Após seis meses de investigações, os delegados Paulo Prado e Wagner Dalcin, da 1ª Delegacia da Polícia Civil, acreditam que uma série de assassinatos registrados nos últimos anos teria sido praticada por um grupo de soldados do 24º Batalhão de Polícia Militar.

Os suspeitos são integrantes de um Pelotão de Operações Especiais, espécie de unidade de elite usada em patrulhamentos de risco. Pesam contra eles testemunhos contundentes, gravações de conversas e contradições sobre álibis, pinçadas do rastreamento de seus telefonemas. Todos, segundo Prado, deverão ser indiciados por homicídios qualificados.

Dos sete policiais que a Polícia Civil identificou, quatro cumprem prisão temporária de 30 dias solicitada pela promotora Raquel Isotton e decretada pelo juiz Roberto Coutinho Borba. Estão presos os irmãos Marcelo Machado Maier, 35 anos, e Márcio Machado Maier, 32 anos (ambos soldados), e os também soldados Charles Alexandre Ávila da Silva, 33 anos, e Fernando de Souza e Silva, 24 anos. Os demais, dois homens e uma mulher cujos nomes não foram divulgados, foram afastados do serviço.

As investigações apontam os PMs como supostos autores de uma chacina que resultou em quatro mortes, em 13 de julho de 2011, no bairro Salomé. Mas já surgiram indícios de que o grupo teria cometido homicídios em fevereiro e maio do mesmo ano, uma outra chacina em agosto de 2008 e um assassinato em julho daquele ano. Seriam 10 execuções, em que os nomes dos policiais figuram como suspeitos – e outras duas mortes recentes, na Rua Panamericana, podem incrementar essa lista macabra.

As primeiras pistas surgiram logo após a chacina de 2011. Os policiais civis ainda patinavam na investigação quando receberam um bilhete em papel ofício, redigido em letra de forma: “Meus colegas no batalhão formaram um ‘Esquadrão da Morte’. Ao invés de prender, matam. Não concordo”. A folha vinha acompanhada de listas de nomes e telefones dos policiais suspeitos de crimes, além de apelidos de pessoas a quem teriam atormentado. Via de regra, delinquentes e seus familiares.

Inocentes estão entre as vítimas

Os agentes da 1ª DP tomaram depoimentos de pessoas que teriam sido ameaçadas e até torturadas. Uma delas assegurou que os assassinatos não seriam apenas por ideologia e disse que os PMs teriam matado por encomenda do traficante Marcos “Pé Podre”, da facção criminosa Bala na Cara. Com o relato dessas testemunhas e a lista fornecida pelo informante-policial, os investigadores conseguiram junto à juíza Carla De Cesaro autorização para interceptar seus telefones. Numa conversa por celular com um colega do POE, um dos soldados se queixa de não ter arranjado provas contra um delinquente:

– Derrubei aquela casa lá, mas não achei nada.

O colega diz para o policial insistir:

– Aborda o cara, diz que tem denúncia, que encontrou drogas com ele.

Testemunhas falam que o “enxerto” de provas falsas seria um dos métodos dos PMs suspeitos. E as investigações apontam que inocentes também teriam sido atingidos. É o caso da chacina de julho de 2011. Um dos alvos era Luciano Mayer, 37 anos, com antecedentes por assalto. O outro era Marcelo Berro, 25 anos, traficante. A dupla foi morta na saída de um bar. Mas, com eles, estavam dois outros clientes do boteco, sem qualquer antecedente criminal: o pedreiro Celso Santos da Silva, 45 anos, e o carpinteiro Marco Aurélio Costa Fraga, 37 anos. Também foram assassinados. No lugar e na hora errados, morreram porque eram testemunhas, conclui Prado.

– O problema nesses grupos paramilitares é que começam matando pela pretensa ideia de fazer justiça. Depois fazem por dinheiro. Falam em limpeza social, mas são maus policiais – define o delegado.

Aqui e no Rio

As investigações indicam que os métodos do grupo em Alvorada se assemelham aos das milícias cariocas, as mais notórias do Brasil. Os PMs estariam cobrando de comerciantes para fazer a segurança nas horas de folga, o chamado “bico”. A Corregedoria da BM investiga se faziam isso também no horário de serviço, usando os veículos e as armas da corporação.

– Eram pagos para manter as cercanias do comércio livres de vagabundos – diz o delegado Paulo Prado.

A diferença em relação às milícias cariocas, mais do que de metodologia, é de intensidade. No Rio, os milicianos começaram expulsando e matando traficantes. Em pouco tempo, monopolizam a venda de internet e sinal de TV pirateados, cobram propina de entregadores de gás e montam serviços de telentrega ou transporte clandestino. Operam, em suma, como uma máfia, algo que ainda não ocorre no Rio Grande do Sul.

O tenente-coronel Jairo de Oliveira Martins, da Corregedoria da BM, diz que os atos dos PMs de Alvorada são isolados e ressalta que não existe histórico similar em outras regiões do Estado.

Quando o alvo fala

Antes de morrer na emboscada do bairro Salomé, Luciano Mayer – que se dizia açougueiro e dono de bar, mas tinha assaltos no currículo – denunciou na Corregedoria da BM e também na Polícia Civil sete PMs de Alvorada por torturas e ameaça. Ele disse que foi capturado em abril de 2010 e forçado a beber água de um valão.

Mayer afirmou ter sido agredido a coronhadas, pontapés e assegura que só não morreu porque conseguiu escapar. Durante quase um ano ele fugiu dos PMs e seguiu denunciando as ameaças.

Em junho de 2011, seus familiares teriam recebido um recado dos PMs, o de que Mayer teria o mesmo fim de um traficante morto a tiros no mês anterior. Mayer foi assassinado em 13 de julho passado. O registro da ameaça feita por ele reforçou as suspeitas contra os PMs.

“Foi o POE”

Uma pessoa assistiu à execução dos quatro homens em 13 de julho de 2011 no bairro Salomé e a descreve em detalhes.

Os mascarados desceram de um carro prata e um deles disse:

– Te falei que tu ia cair, Marcelo!

O alvo era Marcelo Berro, com antecedentes por tráfico. Ele e os outros três foram colocados contra uma parede, mãos na cabeça, e executados. Caído no chão, Berro sussurrou para a testemunha, antes de morrer:

– Foi o POE.

Pouco antes das execuções, outra pessoa viu os ocupantes do carro colocando toucas na cabeça. Ela depôs e reconheceu todos eles como integrantes do POE.

“Agora vocês vão morrer”

Em fevereiro de 2011, o grupo do POE liderado pelo soldado Marcelo Maier teria participado de uma sessão de tortura contra dois homens, para que revelassem o paradeiro do irmão de um deles, o suspeito de tráfico Romário Coradelli, 20 anos.

Os dois, um dos quais com antecedentes por tráfico e o outro adolescente, teriam sido pegos no bairro Umbu, espancados e afogados, segundo depoimento deles à Polícia Civil. Eles fizeram queixas contra quatro dos sete PMs agora investigados por chacinas.

– Tiraram nossas algemas, colocaram nós de joelhos e falaram: “Agora vocês vão morrer, agora vocês vão morrer, querem aprontar? Agora vocês vão morrer”. Foi na base de pau, choque, borrachada, tudo... – descreve o rapaz.

Ele diz que a situação mudou quando os PMs receberam um telefonema.

– Não precisa “fazer a mão” (executar). O Romarinho tá morto, tamo aqui ao lado dele – teria dito um dos PMs, conforme as vítimas de tortura.

Romário tinha sido morto pelo PM Marcelo Maier, que alegou legítima defesa. Os jovens capturados foram levados para uma delegacia da Polícia Civil.

– Enxertaram um pote de crack, para justificar prisão em flagrante – disse uma das supostas vítimas de tortura.

Detidos e depois liberados, hoje não estão mais em Alvorada.

Mais um inocente morto

O pedreiro e o carpinteiro executados no bairro Salomé não foram os únicos inocentes a morrer na ação do suposto grupo de extermínio integrado por policiais militares em Alvorada.

Em 8 de agosto de 2008, os amigos Uilian Miranda Viana, 21 anos, e Tiago Soares Maciel, 21 anos, conversavam dentro de um carro na frente de uma oficina, na Vila Formosa, quando foram cercados por um grupo de mascarados e mortos com vários tiros.

Um motociclista que entregava lanches naquele ponto, Sérgio da Silva Broghi, 28 anos, também foi atingido pelos disparos e morreu. Conforme a Polícia Civil, ele não era visado pelos assassinos, apenas estava no lugar errado.

Uilian e Tiago eram suspeitos de furtar uma pistola .40 de uma PM do 24º Batalhão de Polícia Militar. Eles teriam sido perseguidos e ameaçados por uma guarnição do POE.

A pistola foi localizada um mês antes no velório de Anderson Moreira, assassinato pelo qual os PMs também são investigados.

“Eles sabem que derrubei o Romarinho”

As investigações indicam que os integrantes do POE registravam supostas ameaças, antes de abordar as vítimas. Num telefonema interceptado com autorização judicial, o PM Marcelo Maier fala com um colega do serviço reservado (P2), que o orienta a fazer um ofício com as tais ameaças, para justificar qualquer ação.

O diálogo é de fevereiro de 2011:

P2 – Quando tu fizer o oficiozinho aquele vai dar outros motivos, né...Ali nos motivos tu bota né, que tá sendo ameaçado assim, assim... que os indivíduos ali têm duas pistolas, né, cara.

Marcelo Maier – É, eles sabem que fui eu derrubei o Romarinho, né. Eles sabem...

P2 – Nós vamos fazer o documento normal aqui, entendeu, cara? Eu vou fazer o documento que tu me informou. Nós vamos fazer uma ordem de busca, né, cara. E nós temos que passar essa informação pro pessoal do POE, ali, né cara. Passar para o pessoal do policiamento que tem essa ameaça contra ti.


Contrapontos

O que diz Carlos Arquimedes, advogado dos PMs Marcelo Maier e Márcio Maier - O defensor dos PMs afirma que nas 500 páginas do inquérito “não há provas contundentes” contra seus clientes. Ele diz que não teve acesso às gravações telefônicas e cogita que seus clientes são perseguidos por terem protestado por melhorias salariais na Brigada Militar.

Zero Hora não localizou os advogados dos outros policiais.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Num cenário onde as leis são benevolentes, a justiça é inoperante e a execução penal uma piada, o retrabalho policial é fator de estresse e indignação no meio policial, que, agravado pela rotina de impunidade, pode levar um policial despreparado a uma intolerância capaz de ativar o sentimento de justiceiro à margem da lei. É preciso refletir sobre as causas da formação das milícias e encontrar soluções para a aplicação das leis e para o sistema de justiça criminal, inexistente no Brasil, de modo a fortalecer os instrumentos de coação, justiça e cidadania, reduzir a impunidade e impedir o aparecimento de novos justiceiros. Justiceiro à margem da lei é um bandido, deve ser punido como tal.

Casos como este lembram o filme "Sobre Meninos e Lobos" (Mystic River,2003) de Clint Eastwood com Tim Robbins fazendo o papel de suspeito e Sean Penn, o papel de pai da vítima. Lembra também a citação de Boselli - "Quando não há justiça, o homem honesto e honrado acaba virando um bandido, um rebelde", e mais as seguintes citações:

- "Quando num governo as leis não mais são executadas, o Estado já está perdido."
Montesquieu ( O espírito das leis );

- "Só existem heróis justiceiros, quando o povo perde a confiança na lei e na justiça". Jorge Bengochea

- "Uma Nação perdida não é a que perdeu um governo, mas a que perdeu a lei."
Lições de mestres chineses, por Thomas Cleary.

- "Numa nação corrompida, muitas são as leis que se fazem." Tácito

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